sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O Corpo e a Fome

A greve de fome é uma estratégia utilizada como pressão política por revolucionários e protestantes para chamar a atenção para sua causa. Seus efeitos morais e resultados práticos geram polêmica e são amplamente discutidos pela população e pela mídia e até marcaram períodos expressivos da história mundial. Alguns casos se destacam como o da ativista indígena Patrícia Troncoso, que sobreviveu a um jejum de 111 dias para chamar a atenção do governo chileno (e do mundo) para o sofrimento do povo Mapuche ou Terence MacSwiney, que morreu apo 74 dias de jejum. Reservadas as particularidades de seus metabolismos, os organismos de Patrícia e Terence e de milhões de outros grevistas reagiram basicamente da mesma forma à privação de alimento.
A glucose é a fonte primária de energia para o corpo. Porém, sua reserva como glicogênio muscular pode ser esgotada em até uma hora de exercícios vigorosos e o glicogênio hepático se esgota após 12 a 24 horas de jejum. O objetivo do corpo é manter a glicemia sanguínea sempre em níveis relativamente constantes para suprirem tecidos que dependem exclusivamente dessa fonte de energia, como o cérebro e as células sangüíneas.
Cerca de quatro horas após uma refeição, período durante o qual a queda da glucose sérica causa a diminuição da relação insulina/glucagon e a conseqüente quebra do glicogênio hepático inicia-se a via de gliconeogênese e a captação de glucose pelos músculos e células adiposas é diminuída, para a manutenção dos níveis plasmáticos de glucose (alimentada pela mobilização de glicogênio hepático e utilização de ácidos graxos pelo músculo e pelo fígado) Durante o jejum noturno (curto) a glicemia é mantida ¾ por glicogenólise e ¼ por gluconeogênese, quadro resultante dos efeitos do glucagon. As concentrações altas de acetil-coA e citrato mantém a glicólise inibida.

Nas primeiras 24 de jejum não-comçlicado é possível observar as seguintes adaptações do organismo:
• Redução da secreção e atividade de insulina
• Aumento da atividade de glucagon
• Redução do glicogênio hepático e muscular
• Menor produção de glicose
• Diminuição da tiroxina e do consumo de O2
• Redução da atividade simpática
• Diminuição do metabolismo basal
Nesse tempo, a média de 450-500 gramas de glicogênio em um adulto é oxidada e então há a necessidade da mudança do principal substrato energético. Nesse período, o fígado é o responsável por suprir o organismo de glucose, uma vez que o músculo não possui glicose-6-fosfatase, e por tanto é incapaz de liberar glucose diretamente no sangue (ainda assim, a glicose-6-fosfato muscular pode ser oxidada até lactado, que é exportado para o fígado para entrar na gluconeogênese hepática.). Outras concentrações de glucose obtidas a partir de gluconeogênese advêm da lise de proteínas (aminoácidos) e glicerol, para atender ás necessidades energéticas do SNC, hemácias, medula renal e leucócitos.

O balanço nitrogenado (BN) mede a diferença entre a quantidade de nitrogênio ingerido na forma de proteínas e a quantidade excretada na urina. Em condições normais em um adulto o BN é zero, já que não há armazenamento de nitrogênio. O seu excesso é excretado pela urina. Em casos de jejum o BN é negativo devido ao uso de parte das proteínas como fonte energética. Para entender o metabolismo protéico durante inanição, deve-se analisar também a composição da urina.

Excreção urinária de compostos nitrogenados em condições normais e no jejum prolongado (inanição).

Excreção urinária de nitrogênio (N/dia) nos primeiros 15 dias de inanição. No final do período, o catabolismo protéico não ultrapassa mais que 5g de nitrogênio/dia, ou equivalente a 31,2g de proteínas por dia.
O aumento da concentração amônia na urina reflete a adaptação do corpo para reduzir a perda muscular, bem como a diminuição da excreção total de compostos na urina. O consumo de cerca de 70 gramas de proteínas por dia indica uma perda muscular de 350 gramas aproximadamente, de um total de seis quilos É importante ressaltar que apenas 1/3 das proteínas corporais podem ser empregadas para produzir energia sem comprometer funções vitais.
No jejum prolongado o organismo adapta-se para a conservação de energia e nutrientes. Como reflexo disso, ocorre a diminuição do gasto energético em decorrência da ausência do efeito térmico dos alimentos e da diminuição dos efeitos de T3 e da massa corporal metabolicamente ativa. Também é verificado redução da intensidade de proteólise, que inicialmente alimentou a produção de glicose para o SNC. O aumento da oxidação de ácidos graxos (fonte de energia para a gliconeogênese) eleva as concentrações de acetil-coA para além da capacidade de consumo do ciclo de Krebs e aumenta a síntese de corpos cetônicos. Com o tempo, o tecido nervoso se torna mais permeável aos corpos cetônicos e cai a necessidade de glucose para oxidação.
Isso reduz a necessidade de gliconeogênese a partir de esqueletos carbônicos dos aminoácidos, economizando proteínas essenciais. Com 24 horas, apenas 10% das necessidades energéticas cerebrais é suprida por corpos cetônicos. Após quatro dias de jejum, 60% do combustível do cérebro é constituído por corpos cetônicos. A demanda por glucose nesse tecido, porém não se acaba. O metabolismo de corpos cetônicos ocorre apenas em mitocôndrias, estruturas grandes demais para transitarem até as terminações sinápticas dos axônios. Nos músculos, após três semanas quase não há mais uso de corpos cetônicos, a energia é praticamente toda obtida pela oxidação de ácidos graxos. O tempo de resistência depende da quantidade de tecido adiposo e muscular. Uma vez terminadas as reserva de triglicerídeos, o organismo volta a usar proteínas como fonte de energia.
O quadro de hipoglicemia promove a seguinte resposta hormonal, que medeia todo o metabolismo nessas condições: ativa os neurônios hipotalâmicos, que sintetizam e liberam mediadores químicos (hormônios) na corrente sanguínea, ao invés que realizar sinapse. Estimulado então, a hipófise libera o hormônio adenocorticotrófico (ACTH) e hormônio do crescimento. Tais hormônios levam á liberação de cortisol pelas glândulas supra-renais. Este estimula a gliconeogênese e inibe o uso de glicose pelo tecido adiposo e pelos músculos.

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